Imagine acordar e descobrir que a internet não existe mais. Os caixas eletrônicos não funcionam, o GPS está morto, e as luzes não acendem. Não é roteiro de filme de ficção científica; é um cenário real que cientistas e governos levam muito a sério. A causa? Uma fúria do nosso próprio Sol, repetindo um evento que já aconteceu há mais de 160 anos: a Tempestade Solar de 1859, mais conhecida como Evento Carrington.
Para o mundo dos negócios, que hoje opera na velocidade da luz através de uma infraestrutura digital global, a possibilidade de um “apagão” dessa magnitude não é apenas um risco — é uma ameaça existencial. No Negócios X, vamos explorar o que foi esse evento histórico, quais as chances reais de acontecer de novo e, o mais importante, quais seriam as consequências devastadoras para nossa sociedade hiperconectada.
Uma Viagem a 1859: O Que Foi o Evento Carrington?
Na manhã de 1º de setembro de 1859, o astrônomo amador britânico Richard Carrington estava em seu observatório particular, desenhando um grupo de manchas solares gigantes. De repente, ele testemunhou dois flashes de luz branca ofuscante emanando das manchas. Foi a primeira vez na história que uma erupção solar foi observada e registrada.

Ilustração japonesa da época mostrando as auroras avermelhadas e incomuns que iluminaram o céu durante o Evento Carrington. Crédito: Cornell University Library.
O que Carrington não sabia era que ele havia testemunhado o prelúdio de um caos tecnológico. Apenas 17,5 horas depois — um tempo de viagem assustadoramente rápido — uma nuvem massiva de plasma solar colidiu com o campo magnético da Terra. Os efeitos foram imediatos e espetaculares.
As auroras boreais e austrais, normalmente restritas às regiões polares, foram vistas em todo o mundo, de Cuba ao Havaí. O céu noturno ficou tão claro que pessoas nos Estados Unidos conseguiam ler o jornal à noite apenas com a luz da aurora. Mineiros nas Montanhas Rochosas acordaram e começaram a preparar o café, pensando que o dia já havia amanhecido.
Mas a maravilha visual veio acompanhada de um colapso tecnológico. A “internet” da época, o sistema de telégrafo, foi posta de joelhos. Correntes elétricas induzidas pela tempestade percorreram os fios, dando choques em operadores, incendiando o papel de mensagens e, em alguns casos, permitindo que as máquinas funcionassem mesmo com as baterias desligadas, alimentadas apenas pela energia vinda do céu.

Desenho das manchas solares feito por Richard Carrington, momentos antes de observar a erupção solar que desencadeou a tempestade.
O Mundo de 1859 vs. o Nosso Mundo Hiperconectado
Em 1859, o impacto foi fascinante, mas contido. A sociedade dependia de músculos, vapor e agricultura. Hoje, nossa civilização é construída sobre uma base frágil de elétrons e dados. A comparação é assustadora:
| Aspecto | 1859 | Hoje |
| Tecnologia Chave | Telégrafo | Internet, Satélites, Redes Elétricas |
| Dependência | Baixa | Total e Absoluta |
| Impacto Econômico | Mínimo | Trilhões de dólares |
| Tempo de Recuperação | Dias | Meses a Anos |

Representação artística da aurora de 1859 sobre uma cidade, um espetáculo que hoje seria um presságio de caos tecnológico.
O “Apocalipse Digital”: O Que Aconteceria Hoje?
Se uma tempestade com a força do Evento Carrington atingisse a Terra hoje, não seria apenas um show de luzes. Seria um golpe devastador em três frentes principais, desencadeando um efeito dominó em toda a sociedade.
1. Colapso da Rede Elétrica
As correntes induzidas pela tempestade fluiriam pelas linhas de transmissão de alta tensão, fritando os transformadores de alta voltagem (EHTs). Esses gigantes são o coração da nossa rede elétrica. O problema? Eles são caros, difíceis de construir e não há estoque. A fabricação e instalação de novos transformadores podem levar de um a dois anos. O resultado seria um apagão em escala continental, durando meses ou até anos.

Ilustração de como uma tempestade solar massiva poderia interagir com a magnetosfera da Terra e impactar cidades inteiras. Crédito: NASA.
2. O Fim da Internet e das Comunicações
Nossa vida digital depende de uma infraestrutura vulnerável:
•Satélites: A radiação e o arrasto atmosférico poderiam danificar ou destruir milhares de satélites, acabando com o GPS, a previsão do tempo, as transmissões de TV e as comunicações globais.
•Internet: Embora os cabos de fibra óptica sejam imunes, os repetidores que amplificam o sinal ao longo dos cabos submarinos não são. A perda desses componentes poderia desconectar continentes, fragmentando a internet e isolando nações inteiras.
3. O Efeito Dominó na Economia e na Sociedade
A perda simultânea de energia e conectividade paralisaria o mundo como o conhecemos:
•Finanças: Sem transações eletrônicas, caixas eletrônicos ou bolsas de valores, o sistema financeiro global entraria em colapso.
•Logística e Suprimentos: A cadeia de suprimentos seria interrompida. Sem refrigeração e transporte, alimentos e medicamentos estragariam, levando à escassez.
•Serviços Essenciais: Hospitais dependeriam de geradores com combustível limitado. Sistemas de tratamento de água parariam. A governança e a manutenção da ordem social se tornariam um desafio monumental.

Conceito visual mostrando como uma ejeção de massa coronal do Sol pode induzir correntes devastadoras na rede elétrica da Terra.
Qual a Real Possibilidade Disso Acontecer?
Este não é um risco puramente teórico. Cientistas estimam a chance de um evento da classe Carrington ocorrer no próximo século em cerca de 12%. Pode não parecer muito, mas são chances maiores do que muitos outros desastres naturais para os quais nos preparamos extensivamente.
E quase aconteceu recentemente. Em julho de 2012, uma CME com a força do Evento Carrington cruzou a órbita da Terra, mas nosso planeta havia passado por aquele ponto apenas nove dias antes. Tivemos sorte. Muita sorte.
Atualmente, estamos no pico do Ciclo Solar 25, que tem se mostrado mais ativo do que o previsto. As auroras vistas em locais incomuns em 2024 e 2025 são um lembrete visível de que o Sol está em um período de grande atividade.
Estamos Preparados? A Corrida Contra o Tempo
A boa notícia é que, ao contrário de 1859, não seríamos pegos totalmente de surpresa. Satélites como o DSCOVR da NOAA e futuras missões da ESA nos dão um aviso prévio — de algumas horas a alguns dias — antes que a tempestade atinja.
Esse tempo é crucial para tomar medidas de mitigação, como desligar partes da rede elétrica e colocar satélites em “modo de segurança”. Agências espaciais e governos já realizam simulações para se preparar para o pior.
No entanto, a verdade é que nossa infraestrutura global não foi construída para resistir a um evento dessa magnitude. O Evento Carrington nos ensina uma lição vital para o mundo dos negócios e da tecnologia: nossa maior força, a conectividade global, é também nossa maior vulnerabilidade. Ignorar essa ameaça não é uma opção. A questão não é se o Sol vai nos testar novamente, mas quando — e se estaremos prontos quando o dia chegar.
Referências
Space.com. (2022, 20 de maio). The Carrington Event: History’s greatest solar storm.
Artigo publicado no Blog Negócios X – Sua fonte de informação sobre tecnologia, ciência e impactos nos negócios.

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